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O que aprendemos com o Atacama

Dia 20 de setembro de 2019 partimos de Porto Alegre rumo ao deserto mais árido do mundo, o Atacama, localizado ao norte do Chile. E foi surreal! Voltamos outras pessoas, mais apaixonados do que nunca pela vida e pela natureza.

Foto tirada já no Chile, após cruzarmos a fronteira com a Argentina, no começo do espetáculo do pôr do sol.


Foi fácil? Nem um pouco. Mas a vida sempre me ensinou que não existe aventura boa e fácil ao mesmo tempo, já percebeu? Aquelas mais complicadas, as "indiadas", de perrengues sofridos, serão justamente as que você mais vai gostar de contar para os amigos e parentes. E o Atacama é mais do que isso. O Atacama é desafiador e é bonito demais! Faz qualquer perrengue valer à pena, pode ter certeza.

Assim, a primeira coisa que você precisa saber é que o Atacama não é um local para gente "fresca", daquelas acostumadas com tudo fácil, de mão beijada. Lá, quanto maior a beleza do local, maior a dificuldade. Bom, na verdade, abaixo do sol das 3h da tarde, por exemplo, até para dar uma volta na quadra é difícil. O que separa os aventureiros dos fracos é que estes ficarão o passeio todo reclamando, frustrados, ou até podem desistir, enquanto aqueles seguem em frente e são capazes de sentir a dádiva de estar ali, onde, sei lá, parece a Terra há milhões de anos, ou até outro planeta.

Não é à toa que um dos locais turísticos no Atacama se chama "Vale de Marte". Chama-se assim porque se assemelha muito com o relevo do planeta vermelho. E este é um mirante de onde se pode admirá-lo. Ao fundo, à direita, o vulcão Licancabur, presença marcante na região.


Ao lado do Vale de Marte encontra-se o Vale da Lua, também por sua semelhança.


E se você já foi ao Atacama, e foi de avião, fazendo os passeios com as vans turísticas, que bom, você deve ter visto os geisers, as termas de Puritama, os flamingos, o salar. Mas, sinto-lhe dizer, você com certeza não passou por um dos melhores pontos do local: a épica travessia das cordilheiras dos Andes. Nunca vou me arrepender de ter ido de carro, porque aquele momento ficou e vai ficar para sempre marcado na minha memória. Tanto a ida quanto a volta, mas principalmente a ida, por ter sido a primeira vez.

Flamingos "dançando", num ritual de acasalamento.


Sou fascinado pelos animais. E essa foi a primeira vez que vi flamingos. Não queria ir embora sem vê-los. E, para a minha surpresa, vi bem de perto, na visita à laguna Chaxa.

De Porto Alegre até San Pedro são 2.336 Km. Fizemos em cinco dias. É possível ir em menos tempo, mas nós gostamos de ir parando, de vagar, e conhecendo as localidades pelo caminho. Conhecemos várias cidades e pontos turísticos pela Argentina (o que poderia ficar para outras postagens). Foram rodovias retas e longas, planícies intermináveis, lindo. Mas nada se compara, na minha opinião, à beleza das cordilheiras e à aventura de cruzá-las, principalmente por esse trajeto. Próximo à Salta, começamos a subir, mas de leve. Vai subindo, vai subindo, até que, após Purmamarca, passamos pela  íngreme Cuesta de Lipán, uma parte minhoquenta em que se chega a um pico de 4.170 metros de altitude e depois desce novamente até um platô, que se estende a partir dali por longos quilômetros.

Vencida a Cuesta de Lipán, hora de fazer uma parada para fotografar a vitória e a beleza do lugar.


Depois da Cuesta de Lipán, passamos pelas Salinas Grandes, um salar, algo que nunca tínhamos visto. E depois seguimos por horas em um sol escaldante, em uma reta que não acabava mais. Tudo o que queríamos era uma sombra para fazer uma parada e descansar um pouco. Mas essa seria outra provação do Atacama: não tinha sombra em lugar algum! Nessa planície não tinha uma árvore, nem ao menos cacto. Era tudo uma imensidão plana, castigada pelo sol. Fazia uns 40 graus, o sol "pegando" pelo para-brisa, e, para completar, sofríamos pelo ar rarefeito. E o carro também sofria, pois, quanto menos oxigênio, pior a combustão. Então, ele andava de vagar, com pouca força. A gente perdeu tempo conhecendo os locais pelo caminho e a fronteira com o Chile fecha às 18h, então, imagine que não poderíamos nos permitir fazer mais nenhuma parada, senão teríamos que pousar na fronteira até o dia seguinte, quanto abrisse novamente. Já pensou?


Ao fundo, as Salinas Grandes, onde logo estaríamos. Essas duas fotos eu tirei do paradouro La Pekana, local muito bom para parar, comer umas empanadas e outras delícias. Com certeza uma das melhores empanadas que você vai comer na vida.


Mas, com todas as dificuldades, não conseguíamos acreditar que estávamos fazendo aquela travessia. E deu tudo certo. Conseguimos chegar ao Paso de Jama (fronteira) pouco antes de fechar, e seguimos Chile adentro. E, se as últimas horas em sol escaldante pela Argentina foram desgastantes, da fronteira em diante vimos as imagens mais lindas e espetaculares do passeio. O sol já estava mais baixo, e a temperatura começou a baixar rapidamente.




Antes de começar a descer as cordilheiras até San Pedro, tem um trecho de nova subida, e dessa vez ainda mais alta. Isso após aquele platô. Começamos novamente a passar por entre picos de montanhas, e a maioria com neve, pois chegamos até quase cinco mil metros de altitude, e tudo isso no entardecer. Imagine um céu azul, um ar gélido, por entre montanhas avermelhadas pelo pôr do sol, ou escuras pela sombra. Enquanto isso, nosso carro subindo a vinte por hora, pois estava fraco pela falta de oxigênio. Aquela cena era tão linda, e tão satisfeitos estávamos, que, quando alcançamos o ponto mais alto do trajeto, após tantas dificuldades, tantos dias de viagem, chorávamos e gritávamos de emoção dentro do carro, em comemoração àquela vitória.

Vencendo os picos mais altos. Se ainda tem neve aí, derretendo de vagar, imagine você que a temperatura não passa muio além dos zero graus. Agora, imagine durante a madrugada, com vento.


E esse é justamente o ponto que quero ressaltar. Mais do que um lugar bonito para se conhecer em vida, o Atacama nos mostrou como que a vida é linda, e é uma dádiva mesmo. Num lugar tão inóspito como aquele, em que qualquer organismo encontra dificuldade para sobreviver dia após dia, quem diria que se poderia entrar em contato mais ainda com a própria paixão em viver! Como é bom ter vivido para um dia ver aquelas montanhas, ali, naquele momento maravilhoso! Então, se tem uma vida que vale a pena ser vivida é a de um viajante. E nós podemos dizer que temos muita sorte e que fizemos boas escolhas na vida, para poder ter estado ali naquele momento tão marcante.

Legal, não é? Só que eu nem contei ainda como foi a volta, de San Pedro até o alto das cordilheiras. Na ida, após o ápice da subida, descemos dos quase 5.000 metros até 2.400 praticamente em linha reta, no escuro. Para não desgastar os freios de nosso carro, que tem duas toneladas e meia, usei bastante o freio motor para auxiliar. E o motor gritava lá na frente, enquanto, de tempos em tempos, passava uma placa indicando que, caso faltasse freio, poderia jogar o carro em uma "saída de emergência". Aquilo era quase uma ameaça! Mas daí vinha a pergunta: descer, a gravidade ajuda, mas e pra subir aquilo tudo de volta?

Essa foto tirei na subida de volta. Consegui pegar as lhamas, acima, e as placas de uma das saídas de emergência que vimos na ida, pelo retrovisor. Clique na imagem e aproxime, para ler o que está escrito.
Se tivéssemos subido com a marcha normal, certamente teríamos fervido o motor. É verdade. Até passamos por um caminhão com motor fervido pelo caminho. Mas ainda bem que nosso carro tem reduzida e nós, calma. Engatamos a reduzida e subimos bem de vagar, olhando a paisagem. E que paisagem!

Lhamas à beira da estrada. A da direita parece que também admira o Licancabur.




O icônico vulcão Licancabur - ao lado de seu "irmão" decapitado, segundo as lendas locais contam - nos acompanhou durante toda a subida de volta. Parece que estava ali, nos dando força. Enquanto isso, o som do carro tocava músicas da nossa playlist "De carro pela América", do Spotify, que tínhamos feito especialmente para aquela viagem. E aquilo foi tão marcante que até hoje, quando escutamos as músicas que tocavam naquele momento, parece que somos transportados para aquele lugar mágico, aos pés do vulcão, subindo lentamente.

Aqui ainda estávamos na subida de volta. Que paisagem! Stephanie estava maravilhada.


E é com essa imagem mental que nos despedimos de mais esta postagem do De carro pela América. Espero que todos também possam encontrar lugares mágicos em passeios fantásticos como esse que fizemos. Isso que nem me ative a contar sobre os pontos mais turísticos. Fomos em quase todos, são maravilhosos. Mas isso você lê em diversos sites pela internet, não é mesmo? Enfim, espero que você pense na possibilidade de ir de carro ao Atacama.  É outra coisa. Saia da zona de conforto, faça uma aventura, viva! A vida te chama. Um abraço e boas viagens!


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